Agora MT Opinião do Leitor Um bicheiro por uma estátua
OPINIãO DO LEITOR

Um bicheiro por uma estátua

FONTE
VIA

Hoje Cuiabá nega com convicção labial, mas durante anos a elite e o poder mato-grossenses concentrados nesta capital quase tricentenária vibravam quando conseguiam um minutinho ao lado do ex-policial civil transformado em comendador, o Comendador João Arcanjo Ribeiro, dono do jogo do bicho, dos cassinos, de poderosas factorings e empreendimentos que englobavam – ou ainda englobam? – várias atividades na ensolarada Terra de Rondon.

O Comendador Arcanjo reinava absoluto. Em público, nas entrevistas, nas solenidades e nas missas das cinco na bicentenária Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, em Cuiabá, seu semblante era o mais cândido possível. Não se via segurança a sua volta. Não tinha gestos bruscos. Não portava arma ostensivamente, se é que carregava algum trabuco na cinta ou na canela.

Seu título foi apenas mais um mimo da classe política que tanto o cultuava. É, o Comendador era cult e cultuado. Em 1987, quando vereador por Cuiabá, Marcelo Ribeiro lhe concedeu a comenda da Ordem do Mérito, que criou a auréola rotular, com a qual passou a se identificar e ser identificado: Comendador Arcanjo. Depois, o vereador Wilson Coutinho lhe outorgou o Título de Cidadão Cuiabano, com o sim unânime de seus pares. A honraria maior viria em 5 de dezembro de 1997, quando o deputado Paulo Moura lhe presenteou com o Título de Cidadão Mato-grossense, com a Mesa Diretora e o plenário da Assembleia de pé, aplaudindo freneticamente.

Pena que depois da queda do império do Comendador Arcanjo a Câmara tenha cassado sua comenda da Ordem do Mérito e a Cidadania Cuiabana, que tão bem lhe caíam e o faziam a cara da vereança de Cuiabá.

O Comendador Arcanjo reinava em Cuiabá e por onde pisasse em Mato Grosso sem que o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público Estadual (MPE), a Polícia Militar, a Polícia Civil e a Polícia Federal fizessem algo para botar fim à jogatina e ao bicho que se dava ao luxo de divulgar as extrações diárias da  Loterias Colibri no rádio e na TV.

Por volta das 15 horas da segunda-feira 30 de setembro de 2002, na Rua Professora Tereza Lobo, em Cuiabá, defronte ao Jornal Folha do Estado, o empresário Sávio Brandão de Lima Júnior, dono e fundador daquele período, foi executado a tiros e o império do Comendador Arcanjo começou a desmoronar.

O assassinato de Sávio Brandão foi debitado ao Comendador Arcanjo, que era denunciado pela Folha do Estado de ser chefe do crime organizado em Mato Grosso.

O sangue de Sávio Brandão clamava por justiça, mas Mato Grosso se fazia de morto. O assunto era tratado com cautela pela indefesa população. Não havia nenhum indício de que o assassinado seria passado a limpo, nem se notava nenhuma movimentação no sentido de se chegar ao Comendador Arcanjo.

O governador tucano Rogério Salles sentiu que precisava tomar providência antes que o crime organizado saísse da penumbra e assumisse de vez as rédeas do Estado. No começo de outubro de 2002, Rogério foi recebido em audiência pelo ministro da Justiça, Renan Calheiros, para falar sobre a violência em Mato Grosso.

O governador disse ao ministro que a situação era insustentável, que MPF, MP e polícia tinham conhecimento do quadro e que faltava apenas uma operação para desmantelar o crime organizado antes que fosse tarde demais.

Renan tentou contemporizar. Rogério foi curto e grosso: “Esta aqui é a chave do meu gabinete. Ou o senhor conserta Mato Grosso ou manda alguém lá pra assumir o governo”. Renan deu um sorrido amarelo.

Dois meses depois da audiência a Operação Arca de Noé desmantelou o esquema do Comendador Arcanjo, que fugiu para o Uruguai, onde foi preso.

O ex-homem forte insiste que não mandou matar Sávio Brandão. Também nega que tivesse cometido outros crimes, mas ele acabou enrodilhado por um cerco muito poderoso. Sua situação é complicada: foi condenado até por posse ilegal de um revólver e a pena foi aplicada açodadamente antes que o Estatuto do Desarmamento estivesse vigorando, o que levou a justiça a revogá-la.

Numa busca e apreensão da Arca de Noé numa das factorigns do Comendador Arcanjo, em Cuiabá, o MPE encontrou 22 notas promissória emitidas em 1999 e 2000 pelo presidente da Assembleia Legislativa, Humberto Bosaipo (PL) e o primeiro-secretário José Riva (PSDB) com valores de R$ 700 mil ou pouco mais ou menos que essa importância, que juntos perfazem R$ 15,4 milhões. Bosaipo fez silêncio sobre a apreensão. Riva alegou que se tratava de caução por um negócio que não foi realizado. O favorecido encontrou justificativa comercial. Em resumo: tais notas fiscais podem ser consideradas fortes indícios da relação do ex-homem forte com o poder político mato-grossense.

O procurador República Pedro Taques soube tirar uma casquinha da Operação Arca de Noé e se mudou para as páginas dos jornais e dos sites e por bom tempo virou manchete crônica das TVs e do rádio. Resumo: Cuiabá ficou livre do Comendador Arcanjo, mas em compensação Mato Grosso ganhou um governador que não governa, porque dentro dele vive um procurador da República, como ele próprio reconhece e admite, mas sem dar a mão à palmatória sobre sua omissão no caso que levou Rogério a jogar a chave sobre a mesa de Renan.

Relacionadas

Especiais

Últimas

Editoriais

Siga-nos

Mais Lidas