Você já deve ter escutado por aí –seja no carro que insiste em passar com o som no talo, ou por meio daquele amigo do trabalho, ou até em baladas “top”– que “o Helipa” [Heliópolis, comunidade na zona sul de São Paulo] ou o Leblon “é baile de favela”.
Com uma batida hipnótica e pesada, o funk de mesmo nome infestou as redes sociais e se multiplicou em remixes, paródias e versões inusitadas ao piano e violino. O clipe da música, que dá a dimensão de um legítimo baile funk –mãos para cima, bundas em movimento e caixas de som–, soma mais de 50 milhões de visualizações em quatro meses de sua publicação.
Mas não é apenas no YouTube, a plataforma que projetou o funk nacionalmente, que a música estourou. “Baile de Favela” está, ao lado de Anitta, Jorge & Mateus e Wesley Safadão, entre as músicas mais ouvidas em streaming neste começo de ano. E já cruza fronteiras. Amigo de Justin Bieber, o rapper americano Maejor pirou no Twitter: “Hoje eu sou baile de favela”, escreveu.
Em casas noturnas, cuja entrada chega a custar R$ 500, o batidão tem lugar cativo no set, mesmo que o DJ seja pouco afeito ao funk. O público canta em coro a frase pornográfica que encerra cada estrofe (“E os menor preparado pra f*** com a xota delas”) e cada bairro citado na letra.
“Eles cantam com força, mas nunca ouviram falar, né?”, ri o dono do sucesso, MC João, 23, que cumpre à risca a agenda de shows estabelecida pela sua produtora GR6, que gerencia, entre outros, a carreira do MC Pedrinho, 13, alvo do Ministério Publico no ano passado por cantar palavrões nos shows.
Muitas vezes, MC João só descobre que o lugar da apresentação é de “alta”, como diz, quando pisa no palco. “É quando eu percebo o jeito que me tratam, a sofisticação da casa”.
Meta de Ano Novo
Os versos da música surgiram de improviso, quando João gravava outro funk, “A Culpa é da Cachaça”. “O DJ não gostou muito, fez um sinal dizendo que não. Comecei, de brincadeira, a cantarolar: ‘Pã pã pã / É baile de favela’, e todo mundo começou a gritar, a entrar na vibe”, relembra.
Com a produção quase instantânea dos funks, “Baile” entrou no mesmo dia no YouTube. “Sabe meta de Ano Novo? Quero fazer academia, quero fazer tal coisa? Eu pedia a Deus, todo os dias, por 1 milhão de visualizações”. No fim, ganhou 40 vezes mais.
Nas redes sociais, “Baile de Favela” virou gíria para o “rolê” com a turma ou aquela pessoa com atitude. Enquanto a internet ria da bronca que Ivete Sangalo passou no marido durante uma apresentação no Réveillon, Preta Gil assim definiu a amiga: “A Ivete é baile de favela”.
João explica: “‘Baile de Favela’ é os bagunceiros, é onde as pessoas se reúnem para se divertir. E onde se reúne mais de seis pessoas para se divertir acaba virando baile de favela”.
No batidão da Rua 7
Foi no baile da Rua 7, citada na música e localizada em Jova Rural, extremo norte de São Paulo, que João se iniciou no batidão. Na época, a ostentação dominava na internet, mas o funkeiro não se identificava com a vertente.
“Foi muita luta [para chegar ali]. Tenho tatuado no peito ‘ostentando superação’, porque eu nunca tive condição, um tênis, um bagulho que a galera da comunidade às vezes acha que é essencial. Quis tirar isso da minha música”, diz.
No início, João citava ressaltava às mulheres como uma “mina responsa”, sem referência a pornografia. “Essa mina sabe conversar de vários assuntos/ Ela é inteligente / Ao invés de pensar com seu corpo / Ela usa a cabeça e trabalha com a mente”, cantava João no início. Não fez sucesso.
“Eu tenho vontade de fazer regravações, mas o que deu certo é ‘Baile de Favela’. Eu tentei, mas a resposta só tive com ‘Baile’. Time que está ganhando, não troca jogador”, resume.
Também não emplacou o “Baile de Favela Light”, uma versão sem cortes feita especialmente para as rádios. Com a letra modificada para “e os menor tudo preparado para dançar com ela”, foi produzida para tocar em programas como o de Fátima Bernardes, o que o funkeiro faria de bom grado. “Mas não tem o mesmo impacto”, avalia.