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Livro sustenta peso da cruz carregada com fé pelo ‘ídolo negro’ Evaldo Braga

Da Redação com G1
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Imagem: Evaldo Braga 2Tão católico quanto supersticioso, o cantor fluminense Evaldo Braga (28 de setembro de 1947 – 31 de janeiro de 1973) sempre se apresentava em público com um terço na mão direita. Na noite de 30 de janeiro de 1973, durante show na cidade de Belo Horizonte (MG), o terço foi arrancado involuntariamente da mão do artista por fã que agarrou o Ídolo negro no palco. Evaldo ficou aflito. E o fato trágico, que daria munição à corrente dos supersticiosos, é que horas depois, na manhã do dia seguinte, o cantor saiu precocemente de cena no auge da carreira, aos 25 anos, vítima de acidente de carro em curva perigosa da estrada BR-40 (nome então novo da lendária BR-3), no distrito de Alberto Torres, próximo da cidade fluminense de Três Rios (RJ).

O acidente calou a voz de um cantor que, em pouco mais de três anos de carreira, fez fama ao gravar 37 músicas alocadas em dois álbuns, dois compactos duplos e quatro compactos simples. Quatro gravações inéditas seriam aproveitadas em estratégico álbum póstumo de 1973, editado pela gravadora Phonogram com a raspa do tacho da obra fonográfica do cantor. O disco tinha alvo certo. Como relata Gonçalo Junior, jornalista baiano radicado na cidade de São Paulo (SP), ao fim do recém-lançado livro Eu não sou lixo – A trágica vida do cantor Evaldo Braga (Editora Noir), a morte do cantor gerou crescente culto à memória do artista por um público de baixa renda que se identificava com as letras que versavam sobre desilusões, solidão e abandono – mote do cancioneiro popular de Evaldo, intérprete de sucessos como A cruz que carrego (Isaías Souza, 1972).

Contratado pela Phonogram no início dos anos 1970 para concorrer com Agnaldo Timóteo, então no auge da carreira com sucessivos discos que enchiam os cofres da rival gravadora Odeon, Evaldo logo se transformou (e foi transformado) no Ídolo negro, título dos dois álbuns que o cantor lançou em vida. Com reverência e assumida admiração pelo cancioneiro perpetuado na voz de Evaldo Braga, Gonçalo Junior investiga a saga trágica do artista e traz à tona uma história de superação e tristeza no livro à venda pelo site oficial da editora Noir.

Filho de pai desconhecido, abandonado pela mãe quando tinha poucos meses de vida, Evaldo foi criado em abrigos públicos. O abandono materno abriu ferida nunca cicatrizada na alma do artista. Ainda que Evaldo seja retratado no livro como alguém determinado, alegre, com fé inabalável no talento de cantor e compositor, a narrativa de Gonçalo leva o leitor a concluir que, por trás dessa feliz máscara facial criada (talvez) por sobrevivência na selva das cidades, havia um homem intimamente triste, amargurado. Tanto que, já famoso, após fase heroica de sobrevivência na ruas, período em que trabalhou como engraxate perto de rádio para ter acesso mais fácil aos cantores e radialistas que poderiam lhe dar a sonhada chance artística, Evaldo foi atrás da mãe que nunca seria identificada.

Como manda a lei do jornalismo, o autor investiga os fatos nebulosos da vida de Evaldo e expõe as diferentes versões quando se torna impossível apontar a verdadeira – como, por exemplo, no caso do suposto apego do cantor ao álcool após a fama, fato confirmado por alguns entrevistados e negado por outros. Dentro desse trabalho jornalístico, um dos fatos mais surpreendentes recontados no livro é o de que a composição A última canção (Carlos Roberto Nascimento) – música que alavancou a carreira do cantor capixaba Paulo Sérgio (1944 – 1980) e o transformou em ídolo nacional em 1968, a tal ponto que teria incomodado Roberto Carlos – era o trunfo do então desconhecido Evaldo para conquistar o sucesso. A suposta volta dada em Evaldo seria até certo ponto confirmada por Paulo Sérgio (mas atribuída a um empresário) em 1971, quando Evaldo já começava a se tornar o Ídolo negro, em trecho de entrevista a programa de TV reproduzido por Gonçalo na página 88 do livro.

Enfim, Gonçalo Junior fez bom trabalho jornalístico, ainda que dê algumas informações equivocadas ao longo das 308 páginas do livro quando o autor sai do universo musical de Evaldo, como creditar a invenção da Bossa Nova ao ano de 1959, quando a revolução estética foi detonada em agosto de 1958 com o lançamento do compacto em que João Gilberto canta Chega de saudade (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1958).

Com devoção ao cancioneiro popular tachado de brega pelas elites musicais, admiração perceptível na forma como caracteriza com ardor cada música gravada por Evaldo, o autor somente deixa a narrativa perder foco quando esquece momentaneamente o protagonista do livro para ocupar páginas com vidas e obras de cantores populares que tiveram caminhos profissionais cruzados com o de Evaldo, casos de Lindomar Castilho e Nilton César, ambos importantes na fase pré-fama da saga do autor e intérprete do sucesso Sorria, sorria (1972).

Nada que tire o mérito deste livro que documenta a ascensão meteórica de um astro popular criado em condições adversas. Eu não sou lixo – A trágica vida do cantor Evaldo Braga sustenta o peso da cruz carregada com fé pelo Ídolo negro ao longo da vida encerrada tristemente na manhã de 31 de janeiro de 1973.

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