Quando o deputado americano Joe Kennedy ouviu de Nancy Pelosi, líder do Partido Democrata, que ela queria falar com ele em particular, pensou: “Estou ferrado”. Ela o levou ao seu gabinete e tirou de lá a equipe. “Com certeza estou ferrado”, lembrou Kennedy ao site Politico.
Mas Pelosi escolhera o sobrinho-neto do presidente John Kennedy (1917-63) e neto do senador Robert Kennedy (1925-68), para, aos 37 anos, representar o partido na resposta ao primeiro Discurso sobre o Estado da União do presidente Donald Trump, no último dia 30.
É o mais importante pronunciamento do ano do presidente dos EUA ao Congresso, e a resposta, uma honra conferida a um nome em ascensão no partido opositor (em 2016, no último discurso de Barack Obama, o Partido Republicano escolheu a então governadora Nikki Haley, hoje embaixadora na ONU).
Até então um deputado de pouca projeção, apesar do sobrenome e dos traços característicos da família, Kennedy ganhou fama nacional após o discurso, em que defendeu o ideal americano, falou em espanhol e atacou o muro que Trump quer ampliar na fronteira com o México.
“Vamos derrubá-lo”, disse, evocando o histórico discurso do presidente Ronald Reagan, um republicano, sobre o Muro de Berlim em 1987.
Num partido ainda rachado após a derrota para Trump, o jovem deputado se projetou como esperança democrata em meio a líderes envelhecidos e como possível presidenciável em 2020 —embora diga não pensar nisso por ora.
“Minha vida é tão atribulada que não sei nem o que vou almoçar hoje, quanto mais a que vou concorrer no futuro”, declarou ao “Boston Globe”.
Formado em direito por Harvard, Kennedy viveu dois anos como voluntário na República Dominicana, onde ganhou fluência no espanhol, e foi promotor. Ele se casou com uma colega de faculdade e é pai de um casal de filhos, o mais novo nascido em dezembro.
PROJEÇÃO
Na Câmara, Kennedy coordena uma força-tarefa pelos direitos de transgêneros e se destacou na defesa de imigrantes e de planos de saúde acessíveis à população.
É uma liderança à esquerda, no espectro do Partido Democrata —mas se opõe à liberação da maconha.
Até aqui, vinha sendo um deputado muito mais voltado a atender seu eleitorado local, como a maioria, do que a assumir projeção nacional.
Ao convidar Kennedy para a resposta ao Discurso sobre o Estado da União, Pelosi pediu: “Faça algo diferente”.
O deputado escolheu como cenário do pronunciamento a oficina de uma escola técnica no interior de Massachusetts. Atrás dele, viam-se carros e equipamentos. À sua frente, dezenas de estudantes em cadeiras de plástico, que o aplaudiam com entusiasmo. “Estamos em Fall River, cidade americana construída por imigrantes”, afirmou, sob gritos de “uhu!”.
Na internet, a reação variou de pedidos de #JoeKennedy2020 a críticas ao excesso de protetor labial do deputado, confundido com saliva.
Democratas receberam o discurso com entusiasmo. “Foi um chamado para a batalha”, afirmou o estrategista Jamal Simmons. “Ele representa algo empolgante e poderoso que vem acontecendo pelo país em resposta a Trump”, escreveu o estrategista Brent Budowsky ao jornal “The Hill”.
As críticas, porém, não foram apenas cosméticas. Ressaltaram o fato de Kennedy ser um homem branco, num momento em que as minorias se afirmam, e o de ser mais um representante de uma dinastia política, como Hillary Clinton nas últimas eleições. Seu nome completo é Joseph Patrick Kennedy 3º.