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Substância encontrada em frutas atua contra picadas de jararaca

Nas plantas, esses pigmentos ajudam a atrair insetos polinizadores, filtrar raios ultravioletas do Sol e fixar nitrogênio

Da redação com Saúde Exame
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Imagem: jararaca cobra
Cobra Jararaca | Foto: Instituto Butantan/Reprodução

Uma pesquisa feita no Instituto Butantan verificou que a rutina, molécula comum a diversas plantas e alimentos, protegeu camundongos de problemas de sangramento e de inflamação decorrentes da ação do veneno da jararaca (Bothrops jararaca), que responde por cerca de 70% dos acidentes com serpentes peçonhentas no Estado de São Paulo.

O trabalho foi realizado por Marcelo Larami Santoro, Ana Teresa Azevedo Sachetto e Jaqueline Gomes Rosa no Laboratório de Fisiopatologia do Butantan, em São Paulo, e teve apoio da FAPESP, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Resultados foram publicados na revista PLOS Neglected Tropical Diseases.

A rutina é um flavonoide, um tipo de molécula que serve de pigmento a diversos vegetais e frutas conferindo cores vibrantes. É o caso das frutas cítricas, uvas (e vinho), maçã, caqui, figo, morango, amora, cereja e framboesa ou de vegetais como pimentão e pimenta dedo-de-moça. Outros alimentos, como trigo sarraceno e chás preto e verde, também são ricos em rutina.

Nas plantas, esses pigmentos ajudam a atrair insetos polinizadores, filtrar raios ultravioletas do Sol e fixar nitrogênio, entre outros. Os flavonoides também têm poderes antioxidantes, além de participar nos mecanismos de defesa, ajudando a prevenir ataques de insetos e micróbios. No caso específico da rutina, trata-se de um flavonoide conhecido por seu alto poder antioxidante e anti-inflamatório.

Os soros antiofídicos tratam as principais manifestações dos envenenamentos por picadas de serpentes, mas não existem terapias conhecidas eficazes contra complicações secundárias comuns. Toxinas presentes no veneno da jararaca podem desencadear sangramento, alterar as reações de oxirredução –produção de energia elétrica a partir da ocorrência de oxidação e redução de espécies químicas – nas células e inibir a capacidade do corpo de parar o sangramento.

“Os mecanismos de complicações clínicas em pacientes picados por jararaca ainda não são bem compreendidos e a terapia com antiveneno é limitada em sua capacidade de tratar toda a gama de complicações que podem ocorrer após uma picada de serpente”, disse Santoro.

“No organismo de quem é picado, o veneno de jararaca aumenta a atividade do fator tissular, substância presente nos tecidos e no interior dos monócitos e plaquetas do sangue e que tem um papel fundamental no processo de coagulação”, disse.

O fator tissular é ativado mediante a exposição dos tecidos, como em cortes ou machucados. É quando o fator tissular age para propiciar a coagulação do sangue no local do ferimento.

Já nos casos de envenenamento, o fator tissular é ativado mesmo na ausência de qualquer ferida. Quando isso ocorre, no interior dos vasos sanguíneos começa a formação de coágulos, que prejudicam a circulação e acabam por se tornar tromboses, que efetivamente bloqueiam os vasos causando necrose nos tecidos.

Daí que reduzir a atividade do fator tissular, fazendo-o retornar à sua condição original, seria um caminho para uma importante complicação secundária do envenenamento que é a formação de coágulos sanguíneos. “O envenenamento não aumenta necessariamente o fator tissular, ele aumenta a atividade do fator tissular”, disse Santoro.
Estresse oxidativo

Uma enzima chamada PDI controla a atividade do fator tissular. Da mesma forma, sabe-se que a rutina tem o poder de inibir a ação da PDI.

“O envenenamento por picadas de jararaca causa problemas de coagulação, que resultam do aumento da atividade do fator tissular. A atividade do fator tissular é controlada pela enzima PDI e sabemos que a rutina tem o poder de inibir a PDI. Pensamos que seria possível usar a rutina para evitar a expressão do fator tissular nos casos de envenenamento, reduzindo assim complicações secundárias como a coagulação sanguínea”, disse Santoro.

Para testar a hipótese, os pesquisadores fizeram experimentos com instrumentos em laboratório e em camundongos. No primeiro, ao colocarem veneno de jararaca em presença de uma solução com rutina, foi constatado um efeito benéfico contra o estresse oxidativo, que é uma condição biológica em que ocorre desequilíbrio entre a produção de radicais livres e a sua remoção do organismo. O estresse oxidativo é outra complicação secundária que ocorre no envenenamento.

No caso do experimento com animais, foram usados 72 camundongos, divididos em três grupos de tempos, cada um com 24 animais. Estes, por sua vez, foram divididos em quatro grupos de seis camundongos cada. O primeiro grupo foi o de controle. No segundo grupo foi injetado somente o veneno de jararaca. No terceiro, foi injetada uma solução salina com rutina. E no quarto grupo foi injetado ao mesmo tempo o veneno e a mesma solução com rutina.

Decorridas 3, 6 e 12 horas após as injeções, foi feita a eutanásia dos animais. Em seguida, os pesquisadores do Butantan analisaram amostras de sangue e tecido dos animais para entender quais efeitos a rutina teve em eventos fisiopatológicos desencadeados pelo veneno.

“No envenenamento, aumenta a atividade do fator tissular. No grupo de animais nos quais foram injetados veneno e rutina, verificamos que a rutina reduziu o distúrbio da coagulação, protegendo assim o organismo dos camundongos das ações de coagulação do envenenamento”, disse Santoro. “No entanto, não sabemos qual foi o alvo da rutina ou de que forma ela agiu no organismo dos animais para controlar o fator tissular.”

De acordo com o pesquisador, futuros estudos serão necessários para compreender a atividade da rutina, uma vez que o veneno tenha iniciado eventos fisiopatológicos, bem como os efeitos terapêuticos da rutina administrada junto com o antiveneno.

“A pesquisa sugere que a rutina tem grande potencial como uma droga auxiliar em conjunto com a terapia antiveneno para tratar picada de cobra, particularmente em países onde a disponibilidade de antiveneno é escassa”, disse Santoro.

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