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CONFIRA ENTREVISTA

‘Suicídio é um produto social e deve ser noticiado com responsabilidade’, diz psicólogo

Douglas Amorim, psicólogo psicólogo cognitivo comportamental e palestrante fala sobre a complexidade do tema e alerta que é um problema de saúde pública, social e cultural que não pode ser ignorado

Por Welington Sabino
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Imagem: faixa de alerta ao suicidio
Faixa com mensagem contra suicídio e número de telefone – Foto: Welington Sabino / AGORA MATO GROSSO

Falar de suicídio ainda é tabu, seja em casa, na imprensa e até nas rodas de conversa entre profissionais da saúde. Apesar disso, o assunto está presente no cotidiano e ganha destaque nos noticiários a cada vez que uma pessoa decide tirar a própria vida num local público. Nessas situações, é comum surgirem iniciativas de conscientização, como por exemplo, a colocação de faixas com mensagens motivacionais e contatos para buscar ajuda, na maioria das vezes, no campo religioso e espiritual.

O exemplo mais recente dessa prática pode ser visto nas muretas da Ponte Maria Elisa Bocaiúva, popularmente conhecida como Ponte Nova sobre o Rio Cuiabá, ligando Várzea Grande à Capital. No local, foram colocadas, na semana passada, duas faixas com a seguinte mensagem: “Suicídio não é a solução! Não deixe os problemas controlarem a sua vida. Deus está com você e esse é seu valor”.

Imagem: faixa em ponte alerta sobre suicidio
Faixa de prevenção ao suicídio na mureta da Ponte sobre o Rio Cuiabá – Foto: Welington Sabino / AGORA MATO GROSSO

A iniciativa é do grupo “Jovens que Vencem”, responsável por um trabalho de evangelização voltado para a juventude. Nas faixas constam um número de telefone celular para quem quiser saber mais sobre o trabalho do grupo.

Mas de acordo com Douglas Amorim, psicólogo cognitivo comportamental e palestrante em Cuiabá (MT), o tema não pode ser tratado apenas dessa forma. Ou seja, de maneira superficial ou possibilidade de ajuda apenas no campo espiritual. Primeiramente, ele alerta para o fato de que nem todo mundo que pensa em suicídio ou comete, tem ou tinha depressão.

“Nem todo mundo que tenta ou comete suicídio tem um genuíno desejo da morte. Alguns desistiram de aprender que a vida é também sofrer, e que é sempre possível fazer escolhas melhores. Outros para manipular e controlar alguém. Algumas cartas deixadas por suicidas culpabilizando quem fica, provam esse ponto. Para todos, tratamento sério e contínuo, com médicos e psicólogos”, alerta o profissional numa postagem em sua página no Instagram.

Na mesma publicação, Douglas observa que no cotidiano é feita uma associação de resolução de problemas e descanso à morte, onde as pessoas dizem coisas do tipo “descansou finalmente”, “a dor agora acabou”, “vai para um lugar melhor”, “está com Deus agora”. Há, ainda, casos de pessoas que pensam na morte como uma lição ou punição a quem fica, observa o profissional ao lembrar de frases do tipo: “Quando fulano morrer, daí vai se arrepender de não ter abraçado mais, falado eu te amo”, “quando morrer daí vai sentir falta”, “vai ficar chorando ao lado do caixão”.

Imagem: faixa de suicidio na ponte
Foto: Welington Sabino / AGORA MATO GROSSO

Douglas Amorim observa que todas essas ideias, que se alojam como crenças nas pessoas, levam a pensar na morte como solução sempre que há algo que parece não ter fácil resolução, ou que não tenha resolução. A incapacidade de se frustrar e aceitar que o mundo e as pessoas não são “pai e mãe” de crianças que nunca crescem.

O profissional chama atenção ainda para a forma como se pensa a saúde mental no Brasil. “A ideia de que ter saúde mental é ser feliz, zen, religioso e sempre equilibrado. Quando na verdade ter saúde mental é ter a capacidade de cuidar de si, se tratar com respeito e afeto. Buscar ajuda sempre que necessário, distinguir o que é seu e o que é do outro, suportar dias difíceis, lidar de um modo positivo e natural com as emoções negativas, compreendendo que precisamos delas como um radar de nossa realidade, como quem aponta o que devemos manter ou mudar”, diz ele na publicação.

Como divulgar o suicídio na imprensa?

O PORTAL AGORA MATO GROSSO conversou com o psicólogo Douglas Amorim para explicar um pouco mais sobre o tema e os tabus que envolvem o assunto suicídio. Principalmente na questão de noticiar ou não, um dilema frequente entre jornalistas e editores nas redações de jornais, portais de notícias, TVs e outros veículos de comunicação.

Imagem: Douglas Amorim
Douglas Amorim é psicólogo em Cuiabá – Foto: reprodução/Instagram

Ele concorda que o assunto precisa ser noticiado, mas não da maneira como acontece com frequência. “Os meios de comunicação deveriam ser orientados como fazer isso de modo que não seja uma panfletagem do suicídio porque todas as vezes que que repercute, coloca lá como destaque um suicídio vai apresentando para as pessoas as possibilidades de lidarem com seus problemas daquela forma”, alerta.

Douglas afirma que não basta apenas tentar entender os motivos que levam uma pessoa a tentar cometer o suicídio. “O importante é saber por que ela não deu conta de lidar com suas questões emocionais de outra forma?. Por que ela não deu conta de não pensar em suicídio, por que ela pensou em morte como saída e uma solução?”.

Embora muitas pessoas não gostem de falar sobre o tema, o profissional é enfático ao afirmar que não tem como ignorar. “Tem que ser tratado o suicídio como uma questão de saúde pública e isso tem que ser tratado dentro dessas notícias, quando elas forem necessárias de se noticiar, como algo que aconteça de modo público ou com alguém famoso”.

A maneira como é noticiado um caso específico, segundo o psicólogo, pode gerar efeito contrário se não houver o devido cuidado na abordagem. “Porque senão acaba meio que glamourizando como a gente vê em casos famosos como, por exemplo, do Kurt Cobain. Aquela glamourização do cara que saiu de modo quase teatral da vida dando um tiro no próprio rosto. É um erro apontar apenas como uma questão de depressão ou uma questão de saúde mental porque você tira a reflexão disso. Você impede a possibilidade da reflexão quando enxerga apenas como uma manifestação de doença”, pontua Amorim.

Numa situação como essa, ele alerta para a possibilidade da veiculação de notícias provocar uma espécie de gatilho para o suicídio. “E mais: aponta para as pessoas que, de fato estão em depressão, que é isso gente ó: esse é o caminho porque não tem cura e não tem tratamento. Se você observar as pessoas que tentaram suicídio, elas nunca tentaram, de verdade, um tratamento sério e contínuo de busca e promoção de saúde mental”, diz o profissional.

A vida não é só felicidade

Imagem: Ponte Nova
Ponte Nova liga as cidades de Cuiabá e Várzea Grande – Foto: Welington Sabino / AGORA MATO GROSSO

Douglas Amorim destaca que o suicídio é um produto social e cultural, de uma ideia de que as pessoas precisam ser positivas e felizes sempre. “Um produto de um discurso positivo, que todo mundo precisa estar bem, feliz o tempo todo e acaba negando para as pessoas que elas precisam lidar com suas frustrações, com seu sofrimento. E que sofrimento é viver e que tristeza é tão normal e comum. É parte de estar vivo e ser humano quanto a alegria, felicidade, satisfação”, pontua.

Nesse contexto, ele vai além e afirma que o ato de dar fim à própria vida
é um produto também do sistema que oprime àquelas pessoas que não possuem um modelo específico do que é ser feliz, do que é ser bem sucedido.

“É uma questão que precisa gerar discussão e as oportunidades de fazer isso com a sociedade é por esses meios de comunicação. Se apenas noticia lá e coloca o número do CVV você está jogando a população aos leões. Porque o CVV oferece a possibilidade de um acolhimento no momento em crise, mas um suicida para chegar a pensar no ato de cometer o suicídio ele construiu isso de um modo tão enraizado, tão cultural, tão difícil de ser tratado que não é ali que vai ser”.

O profissional finaliza a entrevista deixando claro que a saída é buscar tratamento e meios de romper paradigmas culturais. “Então, tem tratamento, tem busca de entendimento disso. Os meios de comunicação quando escolhem noticiar um caso de suicídio deveriam se responsabilizar dessa forma. Aqui comigo está a oportunidade de fazer uma reestruturação cultural pra desmarcar esse sintoma social que é o suicídio”, orienta.

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