Agora MT Opinião do Leitor A classe média e a antessala do fascismo
OPINIÃO

A classe média e a antessala do fascismo

Como cientista político, fico imaginando como será árdua a tarefa dos meus pares e de historiadores para explicar o Brasil desse período, sem cair no crime de “doutrinação ideológica”

Kleison Teixeira é cientista político e foi candidato a prefeito de Rondonópolis pelo PSOL
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No Brasil de 2021, os sucessivos recordes nas exportações de produtos primários como soja, milho e carne bovina, têm servido como peça de propaganda da política econômica do governo, no entanto são incapazes de esconder às cenas que se tornam cada vez mais comuns no país do “agro”. Brasileiros amontoados em filas de açougues e supermercados, esperando para receber restos de ossos que tempos atrás seriam descartados ou se tornariam ração para animais, deixando evidente a quem esse modelo econômico privilegia.

De acordo com os últimos dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan), aproximadamente 117 milhões de brasileiros se encontram em estado de insegurança alimentar, isto é, sem acesso permanente a alimentos. Ainda há 19,1 milhões de brasileiros que passam por um quadro de insegurança alimentar grave, efetivamente não têm do que se alimentar.

Por outro lado, em 2021, tivemos um recorde de novos bilionários, 40 a mais que no ano de 2020, totalizando 315 bilionários, cujo às riquezas equivalem a 25,6% de todo PIB brasileiro do ano passado, ou seja, 315 pessoas detém o equivalente a 1/4 da riqueza que é produzida no país, enquanto milhões de brasileiros não possuem renda sequer para se alimentar. O mais surpreendente é que o aumento desse número, ocorre em meio ao caos sanitário e econômico gerado pela pandemia.

Irracional, perverso e imoral, são termos que se encaixam perfeitamente na descrição de um sistema econômico que permite esse tipo de aberração.

Imagem: fila ossos cuiaba A classe média e a antessala do fascismo
Fila de pessoas aguardando por ossos em açougue de Cuiabá se repete em muitas cidades brasileiras – Foto: Reprodução

É impossível olhar para o Brasil de 2021 e não pensar no quão patético foram os movimentos e atos que culminaram no impeachment em 2016. À medida em que ocorre o distanciamento histórico, olhamos para o retrovisor e vemos uma classe média cada vez mais distante da elite que um dia julgou ser e buscando alternativas políticas naquilo que se convencionou chamar de terceira via, agindo como se não fossem parte da devastação política e institucional em que o país foi lançado.

Com o preço da gasolina a R$3,75 em 2016, abaixo da inflação e o dólar a R$3,94, saíram às ruas esbravejando aos gritos de “impeachment” e “fora Dilma”. Eis que foram atendidos, e cinco anos após o impeachment, com o dólar a R$5,51 e o com novo aumento de combustíveis anunciado pela Petrobrás, atingindo a média de R$6,50, não dão um pio sequer, não saem às ruas, não se indignam e não colam adesivos misóginos nos tanques de seus carros.

Ao analisar o papel político da classe média na construção da nossa realidade e ver seu comportamento de submissão diante de um governo que destrói o país a olhos vistos, às palavras da professora de filosofia da USP, Marilena Chauí, ficam ainda mais cristalinas. Diz ela: “A classe média é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética porque é violenta, e é uma abominação cognitiva porque é ignorante”.

Os elementos contidos nessa citação nos fazem compreender a relação entre uma classe social e um governo em um determinado período da história. A classe média olha para o governo Bolsonaro, como se estivesse olhando a si mesma no espelho.

O que separa a classe média do fascismo bolsonarista é apenas uma antessala onde são colocados seus signos morais, por isso é perceptível a busca incessante desses setores por uma terceira via na política, afinal eles precisam de um representante que não apenas sente-se à mesa com eles, mas que também saiba comer de garfo e isso definitivamente, Bolsonaro não sabe.

Imagem: protesto 2015 A classe média e a antessala do fascismo
Em 2015 a classe média promoveu protestos contra o Governo Dilma por causa do aumento de preços – Foto: Reprodução

A política econômica que causa fome, miséria e desemprego não incomoda essa gente. O que incomoda são os palavrões e a falta de etiqueta do presidente Bolsonaro. Eles aceitam qualquer candidato que proponha o mesmo projeto político em execução, desde que ele tenha a liturgia no cargo que ocupa, assim a morte de milhares de brasileiros vai parecer uma casualidade e não um objetivo.

Para eles não importa se a inflação subiu, se mais de meio milhão de brasileiros perderam a vida ou se os ecossistemas brasileiros estão sendo carbonizados, afinal eles continuam frequentando os mesmos espaços, mas agora sem ter que dividi-los com os brasileiros que eles ajudaram a jogar nas filas dos ossos.

É sobretudo ódio de classe! É um ódio aos pobres, que um dia a história haverá de julgar.

Como cientista político, fico imaginando como será árdua a tarefa dos meus pares e de historiadores para explicar o Brasil desse período, sem cair no crime de “doutrinação ideológica”, afinal, uma distopia tem a verdade como sua inimiga.

 

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