A indicação que o PSB fez do nome de Geraldo Alckmin para compor a chapa com Lula deu trabalho para fazer. Primeiro, foi preciso convencê-lo a ser vice de quem foi adversário histórico (ele e Lula disputaram o segundo tuno nas eleições de 2006). Depois, tiveram que tirá-lo do PSDB, partido que ajudou a fundar na década de 1990. E, agora, os marqueteiros lutam para suavizar a flagrante contradição da trajetória política de ambos. Mas por que Lula precisa de um vice tão custoso assim? É que Lula quer repetir a história.
Em 1989, os brasileiros foram chamados às urnas para escolherem o seu presidente, depois de 29 anos sem eleições diretas no Brasil. Naquele pleito, Lula chegou ao segundo turno disputando com Fernando Collor. O discurso de Lula era raivoso àquela época. Ele pregava o calote na dívida externa, a reforma agrária descomprometida com o respeito à propriedade privada e até o descumprimento de contratos a que o governo federal estava vinculado.
Esse mesmo discurso foi reproduzido por Lula e o PT nas duas eleições presidenciais seguintes, em 1994 e 1998, ambas vencidas por Fernando Henrique Cardoso. Em 2002, já era a quarta disputa eleitoral de Lula e ele não queria mais perder. Um marqueteiro genial forjou um candidato que ficou conhecido como “Lulinha paz e amor”. Lula branqueou os dentes, aparou a barba, sorria para as câmeras e, com ato máximo de sua metamorfose, publicou a “Carta ao Povo Brasileiro”, um manifesto que desdizia toda sua retórica eleitoral pregressa.
Na Carta, Lula afirmava que cumpriria todos os contratos do governo, que continuaria a negociar a dívida externa brasileira, que manteria o controle da inflação pelas metas, que matéria o câmbio flutuante e que não abriria mão de manter um superávit primário das contas públicas. Era tudo o que o mercado (o financeiro, principalmente) queria ouvir, e Lula foi eleito. Claro que os movimentos sociais mais radicais, como o dos Trabalhadores Sem Terra, se manifestaram contrários a essa nova postura de Lula. Mas ele não ligou. Afinal, como se diz no meio político, “em eleição, só não pode perder”.
Essa figura do “Lulinha paz e amor” foi abandonada quatro anos atrás, aos 7 de abril de 2018, quando de sua prisão. Enquanto os policiais tentavam cumprir um mandado de prisão, Lula realizou um grande ato político, à porta do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Ali, Lula deixou de conversar com o conjunto todo do povo brasileiro, voltando-se apenas para sua militância mais fiel. Outra vez o candidato dos anos 1980 e 1990 apareceu.
Agora, com a devolução de seus direitos políticos, Lula se apresenta como candidato à presidência, mas, para acalmar os ânimos do “deus” mercado, que teme reformas econômicas mais radicais, como a revogação da reforma trabalhista, por exemplo, Lula se esforçou o quanto pôde para trazer a Geraldo Alckmin como seu vice. O ex-tucano confere mais austeridade à chapa e sinaliza para a volta da paz e do amor que Lula tinha deixado. Mas o próprio Lula está anulando esse efeito.
É que ele anda desbocado. Afirmou que a militância tinha que ir à casa dos deputados para “conversar” com suas esposas (esqueceu-se dos esposos) e filhos. Disse que queria ver o aborto legalizado, e que as mulheres não precisavam ter vergonha de praticá-lo. Chegou mesmo a dizer que a classe média brasileira ostentava um padrão de vida muito alto e sugeriu que houvesse um limite para isso. Todas essas falas geram ruído desnecessário para Lula, e arrefecem o efeito positivo que ele buscou gerar com o nome de Alckmin na chapa como vice. Parece que o ex-governador de São Paulo não está tão bem de companheiro assim.