Das 27 unidades prisionais vistoriadas pela Defensoria Pública de São Paulo, 81,48% enfrentam superlotação. Isso significa dizer que em 23 unidades o cenário é de disseminação de doenças, falta de atendimento à saúde, ausência de infraestrutura, entre outras precaridades. Nas unidades masculinas a taxa de ocupação chega a 230,5%. Questionada pelo R7, a Secretaria de Administração Penitenciária não comentou os números e afirmou somente que “a população carcerária registra sucessivas quedas de superlotação nos últimos três anos”.
O estudo realizado pelo Nesc (Núcleo Especializado de Situação Carcerária) aponta problemas como falta de ventilação, colchões, roupas, energia, saneamento e alimentação de péssima qualidade. O defensor público e coordenador do estudo, Thiago Cury, destaca a sobreposição de violências sofridas pela população carcerária. “Animais do zoológico são bem mais tratados do que essas pessoas”, relatou.
No relatório, os coordenadores destacam que “mesmo que o cárcere seja um espaço violador de direitos por excelência, há diferentes níveis de sofrimento e imposição de tratamentos desumanos e degradantes, inclusive tortura, a depender do tipo de unidade prisional”.
Durante o período da pandemia de Covid-19, o núcleo realizou 27 atividades de inspeção nas 179 unidades prisionais do estado quando, de acordo com o relatório, a situação, que já era precária, se agravou ainda mais. Nos cinco primeiros meses de 2021, o número de mortes de pessoas presas foi maior do que o número de mortes em todo o primeiro ano da pandemia fora dos presídios.
Pessoas privadas de liberdade em presídios masculinos são obrigados, segundo o documento, a dividir celas com até 43 pessoas, ocupando espaços que, em teoria, têm estrutura física para no máximo 12 pessoas, como foi verificado no CDP (Centro de Detenção Provisória) de São Vicente, no interior de São Paulo.
Segundo o defensor público, são espaços extremamente propensos para a disseminação de vírus. “Essas pessoas estão colocadas em locais que não têm capacidade para recebê-los e se contarmos só as vagas das celas a situação fica ainda pior, já que precisam ser distribuídos em vagas de enfermaria e em outras localidades da unidade”, relatou Thiago Cury.
A pasta alegou ainda que a atual gestão entregou oito novos presídios, o equivalente a um acréscimo de 6,6 mil vagas. Outros cinco, segundo a secretaria, estão em construção para criação de mais 4,1 mil novas vagas. No entanto, para Cury, “é preciso mudar esse cenário de superlotação sem construir novas prisões”.
Sem visitas, sem jumbo e sem família
Além disso, neste período, as pessoas privadas de liberdade ficaram sem visitas, o que prejudicou as entregas do “jumbo”, itens levados por familiares e amigos durante o encontro, como produtos de higiene, alimentos e roupas. A opção, neste momento, foi tentar enviar pelos Correios e pelo Sedex, mas, de acordo com o defensor público, esses pacotes chegavam com atraso e, muitas das vezes, as comidas estragavam.
Cury reforça que esse período também afetou a saúde mental dos detentos, já que as visitas eram a única forma de manter contato com os familiares. A ação civil pública, movida pela Defensoria, pedia a instalação de telefones públicos, que foi julgada parcialmente procedente para que fossem garantidas as visitas virtuais.
Sem direito ao banho de sol
Nas unidades prisionais havia, também, períodos de quarentena, com 15 dias sem direito ao banho de sol. Em 2020, no ano em que a pandemia se iniciou, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) escreveu algumas recomendações para que fossem adotadas nos presídios do Brasil.
Entre elas, estavam a concessão de prisão domiciliar para pessoas que cumpriam pena em regime aberto e semiaberto e a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança em determinados casos. Foram feitos 27,5 mil pedidos de soltura em processos, mas apenas 5,5% dos casos foram acolhidos.
“Na maior parte dos casos, é necessário gritar e bater nas grades para solicitar atendimento” Detento do sistema prisional.
“Na maior parte dos casos, é necessário gritar, bater nas grades para solicitar atendimento, sendo que os agentes, muitas vezes, proferem xingamentos e ameaças de castigos caso continuem a exigir atendimento médico. Em especial após a pandemia, se já era de todo difícil ser encaminhado para o atendimento ao pronto-socorro para atendimento, houve uma redução ainda maior”, relatou um detento do CPD Masculino de Mauá durante a inspeção do Nesc.
O governo de São Paulo cortou, segundo a Defensoria Pública, uma verba de R$ 14 milhões para o atendimento de saúde e R$ 31 milhões para produtos de higiene justamente durante a pandemia. Neste período, os poucos profissionais da saúde que trabalham nesses locais ficaram ainda mais sobrecarregados e alguns foram diagnosticados com Covid-19. Os presos, principalmente mulheres que demandavam acompanhamentos pré e pós-natal, foram prejudicados.
O relatório mostrou ainda que nenhuma das unidades inspecionadas pelo Nesc possui equipe de saúde completa conforme determina a PNAISP (Portal da Secretaria de Atenção Primária a Saúde), que observa os parâmetros do SUS (Sistema Único de Saúde). Nesses locais, de acordo com o defensor público, há diversas pessoas que necessitam de atendimento médico, principalmente as que possuem algum tipo de comorbidade.
O CDP de Piracicaba abriga 888 pessoas presas e possui três médicos, ao passo que o CDP de Mogi das Cruzes tem uma população prisional de 1.362 pessoas e opera sem nenhum profissional de saúde.
Segundo o relatório, “os problemas de saúde mais comuns são respiratórios e epidérmicos, causados principalmente pelas condições de aprisionamento com celas escuras, mal ventiladas, falta de itens básicos de higiene e infestação de ratos e insetos (por ausência de dedetização). Além disso, há centenas de pessoas com problemas odontológicos e, nas raras vezes em que é prestado o atendimento, não é ofertado tratamento adequado e a única opção acaba sendo a extração do(s) dente(s).”
A SAP disse que “os presídios paulistas recebem constantemente inspeções de órgãos e entidades e todas as denúncias recebidas são apuradas dentro de critérios legais. Todos os presos têm atendimento de saúde assegurado, que é oferecido nos próprios presídios ou em unidades da rede do SUS”.
Em grande parte dos presídios inspecionados pela Defensoria Pública, as pessoas presas relatam que não há oferta suficiente de medicamentos, seja para tratamento de doenças preexistentes, seja para novas demandas de saúde. Os únicos medicamentos fornecidos, segundo eles, são paracetamol e dipirona.
Além disso, o relatório cita as pessoas que fazem uso de bolsa de colostomia e sonda, e que não recebem o tratamento adequado para higiene e troca dos equipamentos, “bem como não têm acompanhamento médico para monitorar a necessidade de manutenção ou não da bolsa ou sonda.”