A partir da década de 1990, o mundo dos negócios iniciou um processo de mitigação das fronteiras para seus produtos, o que ficou conhecido como “globalização”. O planeta passou a ser uma “aldeia global”, onde as restrições à circulação de produtos (não de pessoas) cairiam e, para felicidade geral da nação, todos poderiam produzir e consumir de todos, igualmente.
Pela globalização, as empresas deixaram de ser nacionais, estabelecendo plantas industriais em países onde a mão-de-obra é mais barata a fim de otimizarem seus lucros. Alegavam que isso traria mais emprego em países em subdesenvolvidos, mas o que ocorreu na prática foi a extinção maciça de postos de trabalhos bem remunerados em seus países de origem para a criação de outros com baixa remuneração no estrangeiro. Como resultado, os trabalhadores que perderam o emprego não tinham renda para sustentar o consumo anterior e os novos trabalhadores, pelos baixos salários que recebiam, também não podiam consumir os produtos que eles mesmo fabricavam. Especialmente na indústria automotiva esse fenômeno foi visto.
Para que essa globalização desse certo, seria preciso mitigar o poder que os governos nacionais têm sobre a circulação de mercadorias. Organismos internacionais para gestão do mercado, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), fundada em 1995, passaram a intermediar os interesses multilaterais dos estados nacionais, exercendo a verdadeira função de sobreposição dos interesses internacionais do mercado sobre os nacionais.
Isso começou a mudar. Movimentos e partidos nacionalistas, da direita do espectro político, têm ganhado cada vez mais força nas urnas. Prova disso foi a chega de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Com o slogan “America First” (“América Primeiro, em inglês), medidas de protecionismo sem fim foram adotadas no país da liberdade econômica e do livre comércio (não tão livre assim, não é?). E outros países passaram também a balizar seus relacionamentos comerciais internacionais pelo unilateralismo e isolacionismo.
Isso foi muito criticado, mas a pandemia do novo coronavírus alavancou os argumentos dos nacionalistas. É que o “fique em casa” provocou a maior quebra nas cadeias produtivas já vista na história, o que provocou desabastecimento e inflação em todo o mundo. Para tanto, medidas protecionistas, especialmente na China e nos Estados Unidos, têm provocado o que se tem convencionado denominar de “relocalização produtiva”. Em poucas palavras, os países estão buscando depender o mínimo possível do restante do mundo, criando cadeias de produção “end to end” (“de ponta a ponta”, em inglês). Até mesmo a Europa se vê hoje como refém da indústria de energia russa e busca, a todo custo, diminuir sua dependência.
Não sei exatamente o quanto está ameaçada a globalização. Mas que ela não é mais inquestionável. Por aqui, o ministro da Economia, Paulo Guedes, está na contramão dessa direção. Não porque o queira, mas porque se vê forçado a baixar os tributos sobre a importação de produtos a fim de combater a inflação. Vamos ver no que isso vai dar.