Comoveu-me a notícia trazida hoje pelo colega Guto Santos, de Primavera do Leste, para o programa “Jornal da Manhã”, que apresento diariamente na Jovem Pan. Segundo ele nos contou, a comunidade católica dali celebrou o feriado de “Corpus Christi” da maneira mais preciosa para Deus: com amor ao próximo.
É que os fiéis foram convidados pela Diocese a trazerem alimentos quando da montagem dos tapetes comemorativos em alusão à data. Particularmente, acho essa festa muito preciosa, em vários sentidos. Primeiro, porque embeleza nossas cidades Brasil adentro. Depois, porque gera muita comunhão entre a membresia das paróquias. E também porque tem um poder evangelístico incrível. Some-se a isso a preocupação dos irmãos em alimentar o próximo e temos a realidade espiritual desse ritual apresentado. Vou tentar explicar.
“Corpus Christi”, ou “Corpo de Cristo”, surgiu como festa no século XIII. Era o ano de 1.264 quando uma beata de então, Juliana, mais tarde canonizada pelo Vaticano como Santa Juliana, tivera visões em que Cristo pedia que a ministração da eucaristia fosse feita com maior destaque durante a celebração das missas. Um outro evento naquele ano, conhecido como “Milagre de Bolsena”, em que o padre viu sangue escorrer da hóstia partida, levaram o Papa Urbano IV a instituir o dia de celebração do Corpo de Cristo.
Só que o pão da ceia do Senhor Jesus tem dois aspectos. No primeiro momento, ele representa o corpo físico de Cristo, que fora ferido e maltratado por nossas iniquidades. No instante seguinte, aquele pão simboliza o corpo místico de Cristo, a igreja, que são todos os filhos de Deus. E o fato de precisarmos comê-lo nos mostra o Cristo que pode nos alimentar o espírito, a alma, o coração. Mas esse simbolismo todo é nada se não alimentarmos os estômagos dos irmãos em vulnerabilidade alimentar. E são muitos no Brasil, infelizmente.
A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) realizou levantamento e afirmou que, durante a Pandemia da Covid-19, 33 milhões de irmãos e irmãs brasileiros estão passando fome no país. E pior: essa fome tem gênero, etnia e endereço. A maioria das pessoas em insegurança alimentar são mulheres negras do Norte e Nordeste brasileiros. Uma chaga social inconcebível no país que supre 1 em cada 5 pratos de comida no mundo. Aí é que ganha destaque a atitude dos católicos de Primavera do Leste.
Lembrei-me, então, de um conto católico que li certa vez no livro “O Alquimista” (já é a segunda vez que cito a obra em meus editoriais aqui), de Paulo Coelho. Dizem que, na idade média, a Virgem Maria e o menino Jesus desceram até um mosteiro no interior da Europa. Bom, vamos combinar que os mosteiros de então eram centros de cultura e erudição. Ali, eram guardadas todas as obras literárias da humanidade. Por isso mesmo, eram os monges e religiosos os grandes pensadores daquele tempo. Assim que viram a Virgem Maria com o menino, um a um, vieram os monges para prestarem homenagens a eles. Um deles leu poesias incríveis. Um outro discorreu sobre teorias filosóficas da antiguidade. Um ainda apresentou cantos líricos memoráveis. Os homenageados permaneciam ali em silêncio, vendo e ouvindo o que lhes era oferecido.
Então, o último dos monges daquele mosteiro compareceu para apresentar sua dádiva. Mas este era de uma família simples. O pai, pedreiro; a mãe, lavadeira de roupa. Na verdade, ele mal sabia ler e escrever. O que apresentaria a tão nobres visitantes? Ele se encheu de coragem, tomou três laranjas que estavam sobre a mesa e começou a fazer malabarismos com elas. Foi só nesse momento que o menino sorriu e foi para este monge que ele estendeu os braços pedindo colo. E só este simples monge pôde segurar o menino por alguns minutos.
Fazer a obra de Deus não pode se resumir a liturgias, rituais ou regras de vestimenta ou alimentação. Tudo isso, na verdade, deve ser feito, como meio para alcançar os irmãos em dificuldade. Para alcançar o amor. Porque, sem amor, somos apenas “como o metal que soa ou como o sino que tine”, como escrevera Paulo à igreja dos coríntios. Fazemos barulho, mas não temos vida, afinal, se não tivermos amor. Amemos, pois!