Acompanhando diariamente os noticiários, buscamos compreender o que exatamente é a terceira via e por quais motivos os analistas tentam nos convencer de que só ela pode romper com a polarização política no país.
Não há como assimilar essas análises sem entender o sistema político brasileiro, cujo a constituição promulgada em 1988 determinou o pluripartidarismo como uma cláusula pétrea, permitindo que o país rompesse o bipartidarismo entre ARENA e MDB, ocorrido durante a ditadura do regime militar.
O cientista político estadunidense Scott Mainwaring, foi um dos primeiros a alertar sobre os perigos de um sistema pluripartidário, onde muitos partidos fossem criados “sem raízes sociais fortes e estáveis”, isto é, sem vínculos com a sociedade e, portanto, se tornassem apenas um arranjo político institucionalizado.
Como perspectiva da sua criação, o sistema político brasileiro foi pensado vislumbrando o presidencialismo dos Estados Unidos, mas isso não ocorreu e criamos uma jabuticaba, exclusividade nossa.
Trinta e três (33) anos depois da promulgação da constituição o país conta com trinta e três (33) partidos políticos registrados no TSE, além de outros oitenta e três (83) partidos em formação com pedidos de registro, aguardando assinaturas e/ou julgamento para validação, ou seja, Scott Mainwaring estava certo em sua afirmação.
O presidencialismo de coalisão foi a resposta que a classe política encontrou para manter sua governabilidade em meio a inúmeros representantes de diferentes partidos assentados nas cadeiras do congresso nacional. São tantos partidos, que é remota a possibilidade de algum presidente governar com maioria absoluta dentro do próprio campo ideológico, visto que muitos partidos se tornaram fisiológicos, ou seja, legendas de aluguel.
Hoje, o governo que tem o PSL (Partido Social Liberal) como base e que possui a maior bancada da câmara (54 deputados), não consegue aprovar nem projetos de maioria simples sem negociar com outros partidos, imagine só, uma PEC, cujo são necessários o número de 308 votos para que o projeto avance até o senado. É diante desse contexto que qualquer ator político eleito no ano que vem terá que governar, e é a partir dele que eu discorro sobre a terceira via, o que considero apenas um arranjo de forças sem raízes populares e sem uma liderança política, que desperte nas massas o interesse genuíno pelo seu projeto político.
Composta por DEM, PSDB, PDT, NOVO, CIDADANIA, MDB, PV e até mesmo o PSL, a terceira via vem tentando se consolidar como alternativa à polarização entre Lula e Bolsonaro, pregando oposição ao governo e convocando manifestações pelo impeachment, mas basta uma pequena consulta ao radar do congresso, para verificar que os partidos em questão são extremamente alinhados ao governo e sua oposição não passa de uma encenação política.
A maior prova disso é que não faltaram manifestações nas ruas e pressão popular pelo impeachment, o que tem faltado é que os partidos que compõem a terceira via, também atuem dessa maneira no parlamento, através de seus congressistas. Hoje o presidente da Câmara dos deputados, Arthur Lira (Progressistas), tem nada menos do que 133 pedidos de impeachment em sua mesa, esperando para serem analisados.
Portanto, é uma ilusão achar que um arranjo de partidos alinhados com o governo no congresso quer de fato o impeachment, pois é impossível não associar a destruição institucional, econômica e social do país, com quem deu apoio a esse projeto em vigor. A terceira via já nasce morta não só pela falta de raízes sociais, mas também pela falta de lideranças políticas que tenham identificação popular.
Com exceção de Ciro Gomes, todos os demais candidatos da terceira via fizeram campanha ligando seus nomes ao de Bolsonaro. Porém, diante da barbárie instituída pelo governo brasileiro na pandemia, até mesmo João Doria se torna uma figura política aceitável, dada a forma desprezível com que Bolsonaro tratou a nós brasileiros.
Aqui eu tomo a liberdade para sustentar o que chamo de “efeito Majin Boo”.
Na mitologia do anime “Dragon Ball Z”, criado por Akira Toriyama, “Majin Boo” foi conjurado através de forças malignas e saiu à devastar todo universo, até absorver um Deus que consegue purificar seu corpo, sendo posteriormente selado. Passados 5 milhões de anos, um mago quebra o selo e o liberta, uma sessão de eventos sucessivos faz com que “Majin Boo” absorva todos seus inimigos. Em um determinado momento ele é tomado pela força maligna que o concebeu, cuspindo todos os inimigos que havia absorvido e voltando a sua forma inicial.
A terceira via não passa dos restos do bolsonarismo. Uma classe política que se deixou absorver por uma criatura maligna, achando que fosse possível controlá-la e agora foi abandonada e cuspida. Na iminência de desaparecerem do cenário político, tentam juntar forças entre si para derrotar a criatura, cujo os mesmos ajudaram a liberar o selo que a aprisionava. Enquanto não conseguem juntar forças o suficiente, nosso “Majin Boo” vai destruindo o que resta de país.
Por fim, o que sobra para a terceira via é tentar se passar pelo centro, com apoio de setores liberais e conglomerados de mídia, restando apenas uma constatação: a terceira via não passa de um bolsonarismo sem Bolsonaro.