Em um momento no país onde a liberdade de expressão ocupa o debate público, fica cada vez mais evidente a sua instrumentalização para fins ideológicos.
À medida em que ocorre a criminalização de expressões antes entendidas como chacotas , setores da extrema-direita buscam meios de validar suas posições contra o que eles chamam de “politicamente correto”, invocando a chamada “liberdade de expressão absoluta”, um termo cunhado para quem quer se expressar através de ofensas, ameaças e preconceitos, sem observar os limites legais impostos pela constituição.
São incontáveis os casos de homofobia e racismo cometidos por figuras públicas que se apoiam em pilares como liberdade e valores, tendo como episódio mais recente o do agora ex-jogador do Minas tênis clube, Maurício de Souza.
O sociólogo Émile Durkhein definiu como “fato social”, uma estrutura, valor ou norma social, responsável por exercer o controle sobre o indivíduo, através da coerção, ou seja, existe uma convenção não escrita que faz com que os seres humanos se relacionem entre si, através dessas normas. O respeito é uma dessas construções sociais que exercem efeito coletivo sobre os indivíduos. Ao considerar a liberdade de expressão um aval para ofender, achincalhar e até mesmo humilhar as pessoas apenas pela sua condição de existir, o rompimento com as normas sociais estabelecidas já assume uma condição patológica que pode ser caracterizada como crime de ódio.
Acompanhado desse movimento desenfreado na sociedade, grupos antes restritos a pequenos fóruns de internet, começaram a ganhar corpo graças ao terreno fértil encontrado no país com a ascensão da extrema-direita ao poder. É o caso do aumento das células neonazistas, que de 2018 até o presente, tiveram um crescimento de 60%, refletindo não só a polarização política, mas também a desinformação e a legitimação do discurso de ódio.
É impossível não associar o aumento dessas células a eleição do presidente Jair Bolsonaro, ainda mais quando consta em seu histórico um conjunto de declarações ofendendo grupos minoritários, além do envio de uma carta de final de ano a um grupo de apoiadores neonazistas.
Mas seria desonesto culpar apenas Bolsonaro por esse movimento de legitimação do discurso de ódio no país. Os meios de comunicação também ajudaram a moldar o sentimento social ao tratar suas declarações com a normalidade de quem toma um café, enquanto seu público se alimentava de ódio.
Com a formação de um público vil, nada mais natural do que criar sua própria rede de comunicação, uma vez que já existia audiência disposta a consumir esse tipo de conteúdo, foi o que o bolsonarismo fez. Sites como jornal da cidade online e terça livre (encerrado após as ações do STF) nadaram de braçada em meio à crise de credibilidade da imprensa tradicional, propagando desinformação e discurso de ódio à torto e a direita.
A classe política também tem seu grau de responsabilidade nisso. Ao se aliarem a Bolsonaro durante as eleições de 2018 por puro oportunismo e acreditando que seriam capazes de colocar uma mordaça no presidente, fortaleceram ainda mais a penetração do discurso bolsonarista na sociedade. O resultado: temos o congresso mais conservador da história do país e um governo civil, recheado de militares.
A reprovação do governo nas pesquisas de opinião está longe de ser um alívio. Diante de tudo que aconteceu na gestão da pandemia, ter uma base de apoio que ultrapassa os 20% deveria ser visto com preocupação pela sociedade civil e pelos agentes políticos. Nessa base é onde se encontram setores radicais que perpetuam todo tipo de discurso de ódio, negacionismo e terraplanismo, invocando o instituto da liberdade de expressão para todo tipo de crime que cometam contra a honra de outras pessoas.
Não se enganem aqueles que acreditam que é possível apagar Bolsonaro apenas com a vitória no pleito eleitoral. O bolsonarismo vai continuar vivo e com o ódio fora de controle, disposto a se tornar um fato social.