Em 1982, o psicólogo americano James Flynn verificou que, a cada geração, a pontuação dos testes de QI. aplicados nos americanos aumentava. Em outras palavras, a cada década, o homem médio americano estava mais inteligente. Esse fenômeno, que pode ter várias causas como a melhora na alimentação, nos métodos pedagógicos e no aumento do investimento público em educação, ficou conhecido como “efeito Flynn”, em sua homenagem.
Pois bem. Pela primeira vez desde sua catalogação, os testes de inteligência apresentaram regressão na pontuação, o que significa que a próxima geração pode ser menos inteligente (ou mais burra) que a atual. Na prática, pode significar o estancamento do desenvolvimento científico ou do conhecimento da humanidade, desde que criamos a roda.
Um texto a mim oferecido pelo amigo Dr. Henrique Oliveira, médico respeitável pela qualidade técnica de seu trabalho e pela gentileza ainda maior de seu caráter, de autoria do francês Christophe Clavé, sugere como uma das causas desse emburrecimento o empobrecimento da linguagem.
Com efeito, é a palavra o veículo da ideia. Quando procuro manifestar o que penso, utilizo a linguagem para tanto. De sorte que o conhecimento léxico e gramatical que possuo delimita a extensão e complexidade dos pensamentos ou conhecimentos que elaboro ou exibo. E não dá para negar que a minimização da linguagem, especialmente a escrita, tem sido uma tendência de nossa sociedade. Em todas as áreas. Até mesmo termos técnicos são abandonados por profissionais cuja palavra é única ferramenta, os operadores do direito. Advogados, promotores de justiça e juízes estão cada vez mais rasos no vernáculo.
Já li petições sofríveis do ponto de vista linguístico e, por conseguinte, pobres em argumentos.
Mais ainda, especialmente nas artes jamais se verificou tanta escassez de palavra como agora. Nas artes cênicas ou na música, as letras são marcadas por rimas pobres e sentimentos superficiais por demais. Como corolário inevitável, a arte ‘enfeiou’ e, com isto, ‘enfeiamos’ todos, porquanto seja ela mesma a nossa própria face.
Em recente texto publicado nesta editoria, chamei a atenção para o distanciamento do Brasil em relação aos países desenvolvidos no tocante à leitura. No último PISA (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Alunos), exame aplicado pela OCDE trienalmente em alunos de 15 anos de todo o mundo, metade dos alunos brasileiros dessa idade ficou no nível 1 de leitura. Em outras palavras, metade de nossos jovens decifra a escrita, mas não compreende o que lê. E, sem leitura, não consegue abstrair pensamentos, não desenvolve sua capacidade cognitiva e não tem vocabulário sofisticado o bastante para concatenar ideias mais complexas. É um futuro perdido e desperdiçado.
Aí é que vem o meu medo. O emburrecimento de que falei no início desse texto foi aferido nos países desenvolvidos. Imagine como não estará pior o quadro entre nós brasileiros? Dá arrepio só de pensar. Você que lê esse texto (e o compreende) é uma centelha de luz numa escuridão de desinformação e estagnação cognitiva. Nós que lemos (e escrevemos) temos de sair da passividade contemplativa dessa triste realidade para uma proatividade propulsora e provocativa da leitura. É isso ou o fim desse país como nação.